Versando

Acho que me meto noutro soneto

Foto: Paulo Magalhães


Soneto IX
                    À Carol Cruz

Segure a flor angélica da idade,
Pois tão inconstante é o tempo presente
E constância só vem no que já sente
Passado o peso em zelo de saudade.

Sorria desse mundo de maldade,
A pureza dum gesto faz a gente
De beleza na terra ter semente
E todo preconceito romper grade.

Ante tudo um turbante reinvente,
Daqueles que se faz profundidade
E na cabeça toque toda a mente.

Ante nada que seja essa verdade:
Nada retire, nada ponha ou tente
Do que sem fazer nada nos invade.

Sinais de Dança

Bailarina Alana Falcão


Eleva-se livre e leve
num passo.
Suspensa suave segue
no espaço.
Poeta pressente e pensa
seu gesto.
Intentando o todo em tudo
atesto.

E vejo
as danças das damas d’almas,
em mim,
cravadas galgavam calmas.
Adejo,
e confusas fogem finas.
Por fim,
sobem, somem Serafinas
em névoas, nuvens, neblinas...

E o Que Fica São Ruínas

Foto: Luna Oliveira


Barco das ruínas
Daqueles amores,
De tudo que fores
Das coisas divinas,
De todas as sinas
De nossas memórias,
Das velhas histórias
É sendo passado
Dum futuro atado
Nas antigas glórias.

Porém noutro lado
Se se faz presente,
Faz-se assim ausente
No não navegado,
No que não pescado
Deixou para trás,
No não foi capaz
De ser resolvido,
No tempo vivido
Das vidas demais.

Da vida marinha
É barco do parco,
Sobrevive a charco
De quem o adivinha
Quando ainda vinha
Com toda a beleza
E toda a tristeza,
Que também é bela,
Destroços daquela
Já não mais acesa.

Poeminha cotidiano



A vida é um risco

Pro raso e (pro)fundo,
C'um lápis rabisco
Meu traço no mundo.

2º Poeminha cotidiano



Alinho sem linha
Um laço de lã,
Menina bonita
Amanha o amanhã.

3º Poeminha Cotidiano



Tempo de fora
A vida a fio,
Adentro agora
Águas dum rio.

4º Poeminha Cotidiano


Sabem de flores
As borboletas,
Sabem de amores
As ampulhetas.

5º Poeminha Cotidiano


O saber
das palavras
são as lavras
do silêncio.

Ao anjo senhora hindu



A moça segue, vai a moça,
Coberto à flande comida,
A chita cobre seu corpo
De moça cheia de vida...
Que segue a moça, lá vai
Tão linda que Deus duvida,
Com passos leves, ligeiros,
Uma elegância atrevida.

Passo, já não passa mais,
Soube que estava feliz,
Foi ser aprendiz de amores,
Amores que tudo quis.
Mas, como mulher do tempo,
Do vento do mundo diz,
Fez flor de amor silvestre
Nos bicos de bem-te-vis.

Quando revi mais que linda,
E as suas curvas, sereia,
Seus olhos vivos, puxados
Daquela mesma maneira,
Seu andar ainda tão leve
Daquelas moças da areia,
Reminiscências vieram,
E esses seus versos na veia.

Do que ensina o mar



Foto: Luna Oliveira




Foi calçada de si mesma
Que andou por areias fofas
Pisando todos os sóis,
Esmerou-se à maresia
E nadou nos seus lençóis.

Foi assim, calçada de si,
Pro mar com suas marés
E descaminho de areia,
Fez os pés após descalços
Ondas levarem na beira.

A si mesma ela calçou
Como sandália no mar,
Largou-se em ondas e chão,
Sem sequer saber da vida
No vaivém do coração. 

Do Tempo da Paixão





Penso ser senhor do tempo,
Não cair sobre seu cais,
Mas, sinto que o tempo passa
Já perto quase não mais.

Nunca fui de intensidades

Das sensações passageiras,
Prefiro sempre as paisagens
Além de estradas e beiras.

Por parte pisei nos planos

que jamais é tempo fim,
Planos de saltos por dentro,
Pousos d'algo fora em mim.

Tempo pouco antes do tempo,

No fundo talvez amar,
Muito apenas passageiro
Do que ficou no lugar.

No Martelo Agalopado




Que diabo um que a dois ainda arranha,

Que diabo é três que a quatro desgraça,

Que diabo esse cinco que a seis passa,

Que diabo esse sete do oito ganha,

Que diabo esse nove que ao dez manha

E transforma a redonda Terra em quina;

Só quem vende qualquer coisa que opina,

Quem opina e não vende faz de imundo...

Êh mundinho que raso não vai fundo

No qual funda a tristeza e desatina.
Foto: Fafá M. Araújo
Colóquio de foto-poema



Poema é fotografia
Dum sentimento vivido
E vira ato quando entregue
Ao momento possuído.

É sim, alimento, moça,
pra sentir que gosto tem
o espírito do preparo
que só o poeta detém.

Também, moça, é seu corpo
d'algum dom de dona dança
que faz ampliar o espaço
e noutro tempo nos lança.

Do alimento corpo a cor
e da sua eu colori
jabuticaba, ébano, ônix
num bico de colibri.

Colibri de asas vermelhas
que retocou seu turbante
na contraluz das palavras...
poema é tudo que encante.



Terceira Margem


“...e, eu, rio abaixo, rio afora, rio adentro – o rio”.
                                                                    Guimarães Rosa

Foto do Rio Buranhém: Urbino Brito
Cortando vales, dando alimento à terra,
camarada Rio,
te esparges nos teus cristais d’água,
milhões de aves te rasgam voo,
peixes habitam tua fonte.

Mesmo na seca esculpido
com ardente natureza morta
continuaste vivo.

Quanta guerra e paz,
carne e sangue te ofereceram?...

Agora dizem por aí:
– Calai o canto das lavadeiras!
– Minguai o riso das crianças!
Será preciso te criar outra margem
para além do sonho,
para além da realidade?

É que o rio do homem é solitário,
camarada Rio,
inda não tem tantas braças;
mas deixa eu ser tua corrente,
ser a terceira margem.
Se viveste – serei líquido na torrente;
se morreste – serei riacho... córrego...
... até inundar-me de pedras...
...seco...


Felicidade


Foto: Marta Torres


Canto canto que acantoo
Canto hoje felicidade,
Mesmo sem um conto canto
E assim deixo a Soledade.

Canto canto agora entoo
Na Estrada da Liberdade
Onde antigo boiadeiro
Cantava sua saudade.

Canto canto na quebrada
Onde a vida é mais verdade,
Onde a gente se amontoa
Nos cantos dessa cidade.

Canto canto pra favela,
Encanta a realidade,
Minha vaidade no verso,
O meu inverso da vaidade.

Canto canto no vaivém
Sem nenhuma novidade
Nem é novo nossa dor
Não ser infelicidade.

Canto canto no horizonte
Um canto de toda idade,
Remando a maré da vida,
Rimando a simplicidade.


Trova


Esse bem que bate bate
Bate bate qual balão
Voa voa vira fogo
Fogo a fogo deita ao chão.


Quase Haicai


Pois quem canta toca
como chuva inesperada,
como o sol depois.


Epigrama ao Palhaço Apocalíptico

Já Morreu, bobo sem graça,
Fez ato impressionante,
Sem tato para ambulante
Resolveu sua desgraça,
Numa das mãos a cachaça
E noutra uma pá amolada,
Simulava ser piada
Soterrando o corpo vivo,
Morreu se sentindo altivo
Aplaudido a gargalhada.


Translação
http://www.infoescola.com/astronomia/via-lactea/
Sempre esqueço
as voltas em torno do Sol de quem conheço.
As minhas não comemoro há tempos
nem me preocupo com o sol,
tampouco com a lua
que circunda nossas vidas.

Preocupo-me com os passos
dos meus camaradas, amigos
e das serafinas terrenas que me perturbam o sono.

Sempre desço
                           mais escadas 
                                                    que devia...

Todo dia,
A alvorada se torna crepúsculo
e a data dos meus anos,
mais uma volta
                             reviravoltas
em torno do eixo solar.




Gira Mundo
Foto: André Costa Coscarque
O efêmero da fêmea
embriaga
Vou eu nos descaminhos
desses versos
Se nesse mundo de hoje
nada presto
Empresto um pouco à noite
a beleza...

Transpira feito dança
a alegria
Um tanto de embriaguez
nunca mata
Outro tanto a negritude
sempre passa
O que dela tem no jeito
que balança...

A imagem é só parte
desse todo
Faz da Terra o mesmo
gira a gira
levanta a boemia
sonha zonza
Quem sabe o mundo acorde
noutro dia.


Aos Olhares


Os olhos de lince lançam
Da fêmea o que os olhos caçam,
Do que estar por trás dos olhos,
Da visão mais afiada...

Os de lince lançam olhos
Frente a alguma arrebatada,
Com o brilho de passa mundo,
Com o rastro de passarada.

Os olhos caçam da fêmea
Sua beleza que laça,
Sem saber o que o olho caça,
Só a palavra anunciada:
Do que estar por trás dos olhos,
Da visão mais afiada.



Sentido

Se sou eu sendo outro
Presente passado
Com ferro de passar.

Sendo outro sou eu
Passado presente
Que esqueceu de dobrar.



Cantiga de Traços Tristes



Se reparo traços belos,
Seu passo a passar na rua,
Musa bela o verso nobre
Versa a beleza que é sua.

Musa bela o verso nobre
Difícil hoje de ver,
Tão difícil de tão triste
Fica fácil pra você.

Tão difícil de tão triste
Cantigas a clara lua,
Se não vejo nada belo
Canto assim beleza sua.

Se não vejo nada belo
Só o colo ao cair a conta,
Antigo camafeu de ônix,
Preta cor que ao traço monta...

Antigo camafeu de ônix,
Sem ver o mundo perdeu,
Eu peço a Tempo que o encontre
“Ôh que tempo esse meu Deus”.



Cantiga de Primavera


Primavera não tenho mais certeza,
Semeando eu serei semeador...
Primavera a semente desse meu amor
Plantada nesse tempo de incerteza,
Quando em estio a minha natureza
D’água só tinha lágrima de dor.
Primavera não tenho mais certeza...
Será a Terra redonda, noite escura,
Tempo que faz da lágrima secura,
Do espaço um infinito de beleza...
Primavera só tenho uma tristeza
Sem saber se de tristeza se cura.

Primavera não tenho mais certeza
Se inda lhe toca tão antigo canto,
Quando tudo parece muito e tanto,
Num mundo que nem pena tem leveza
Nem luzes sabem quando e quanto acesa
Nem corações sabem desse quebranto.

Primavera não tenho mais certeza,
Se no inverno no outono no verão,
Se será na cantiga ou na canção
Que erguerei solitário a fortaleza,
Primavera lhe digo com franqueza,
As incertezas só caminharão.


Do Tempo de Amar


O sofrimento uma pena,
Se quando se faz o bem
Por vezes a gente sofre,
Se quando se faz o mal
A gente sofre também...

E ninguém é de ninguém,
Todo mundo dor do mundo,
Esperança que cai o cais
Nos levando junto e fundo.

Assim prossegue no tempo,
Viver precisa ilusão,
Volta os amores incertos,
Volta às vezes gratidão.

A mesma pena que pesa,
Mesma que nos alça voo
−Seja essa única certeza−,
Me volto, me pego e entoo:

Um amor é sempre vindo
Do que no sou ar eu soo,
Do que no prazer é lindo
E que no sofrer eu doo.




Tatuado um Riso



Corpo vestido
Por tatuagem
Corpo desnudo
Com sua margem
Torpor dum verso
Com sua imagem
Em seu sorriso
A desvantagem...

Vantagem a fêmea
Com seu sorriso
Logo imagino
Um torto verso
Sendo sem margem
Todo desnudo
Mas tatuado
E revestido
Numa beleza.

Reflexão Sobre Conterrânea





Se pensa na conta,
eu conto a beleza,
com toda a certeza
pois a foto aponta
o que aos céus afronta
de tão espontânea,
que até coletânea
jamais, nunca finda
da presença linda
tão contemporânea.



Foto: Jorge X






Cantiga à Amiga Negra





Se fosse um quadro,
uma moldura,
era loucura.

Mas é pureza
do que se chama
beleza negra...

Tão fino traço
que me embaraço
em curtos versos,
em curtos passos...

Tão belos lábios
que até o céu muda
daquele azul
se recompondo
em sua foto...

em sua foto
que céu reflete
e se escurece...
e se escurece.



Cantiga à Bela Citadina



No lugar que exploram, moça,
Mais-valia da beleza,
Canto versos novamente.
Aqui o sol é luz acesa,
Aqui o frio é geladeira,
Aqui a feira é fortaleza...
Canto versos novamente.

Onde repousa meu olhar
Porém tudo é natureza,
Natureza sinuosa,
Como as curvas duma serra,
Vales com fonte formosa,
Montes de forma manhosa
Onde repousa meu olhar...

Canto versos novamente,
Quem dera explorar seus montes
Subindo com mãos a serra,
No pico descer aos vales,
Dos vales correr na terra
Escura e de chão macio
Onde repousa meu olhar...
Onde exploram a beleza
Canto versos novamente...

Desviando o Caminho


A bailarina
Tem quatro mãos
Que tocam vãos
Da nossa sina
Que se destina
Saber planar
Saber tocar
Todos espaços
Em tais compassos
Se equilibrar.

Sabe planar
A equilibrar
A bailarina
Na nossa sina
Em tais compassos
Todos espaços
Que tocam vãos
Com quatro mãos
E mão destina
Saber tocar.

Tem quatro mãos
A bailarina
E mão destina
Equilibrar
Saber planar
Na nossa sina
Em tais compassos
Saber tocar
Todos espaços
Dos toques vãos.

Uma Moça, Dois Versos



A Bahia de negra graça
Faz na beleza da raça...

A moça de lindos traços
O sorriso o rio largo
Os cachos coqueiro alto
Os olhos jambos em salto
Onde encontrei meus dois versos:

A Bahia de negra graça
Faz na beleza da raça...



História de Índio





No buraco da chuva


Tem garça grande


E menino índio que no céu ande


Se pondo a perturbar.



O menino danado,


Sabendo que garça tampa buraco,


Jogou grande pescado


P'rá garça traçar.



Ela pescou peixe dourado,


Depois d'um pé só ficou...


Assim se acostumou,


Aí na Terra a chuva iniciou.





Turbante aos Olhos



Espero que Tempo ajude,


Faço pedido a Oxalá


Pois é tão bonita a moça


Para que veja sem olhar...



A moça que abaixo os olhos,


Iaiá desse lindo ojá.



Trago do tempo da roça


A forma de se encantar,


Torço seu torço no verso


Sem saber o que falar...



Desvio, olho, se não olha,


Ojá dessa linda iaiá.




Para a Moça e a Vida Bamba



Foto: Fabiana Maia


A vida, essa corda bamba,


E esse equilíbrio da moça


Superando a força bruta,


A gravidade dos fatos...



A vida, esse belo samba,


E esse equilíbrio de acordes


Supera todo silêncio


Da gravidade dos fatos...



Lembro da moça nas lutas


E quem luta, luta sempre;


Desequilíbrio dos fatos


Para o equilíbrio da vida.



A vida que acorda em samba,


A vida que acorda a bamba


Na gravidade dos fatos


Que seu sorriso supera.




Inspirado em Foto de Moça Distante







Foto do ensaio "CorpoRevelado" por Marina Silva


Nem sei os passos da moça,


De tão linda fiz poema,


Escolhendo a foto por voto


Nem se preocupei com tema.



E sem saber dessas normas,


Sei da expressão de tristeza,


Sei da expressão de ternura,


Sei na meiguice a grandeza


E sei no gesto o suave,


A elegância e a fineza.



Não sei se a moça olhava a terra,


Como mãe de carne e sangue;


Quem sabe expressão mais dura


De alguma coisa que nos zangue.



E quem sabe da beleza


Sabe bem que impressiona


Entrego esses versos singelos


De quem a beleza é dona.

 
 
 
Sou Viciado em Viver
Letra de Marchinha Carnaval Salvador 2011
 
 
 


Sou viciado em viver


A vida fazendo versos...



Poeta de peito aberto


P'ra todas dores do mundo


No carnaval vamos fundo


Marchando até no deserto...



Sou viciado em viver


A vida fazendo versos...

 
 
 
Martelo Agalopado
 
 
Escrever um martelo bem composto,

Como faz um bom mestre no improviso;


Saber qual esse chão que agora piso


E saber separar posto do imposto;


Poesia ser mais que esse desgosto,


Não cabendo na taça de cretino;


Ser na minha terrinha só menino


A zombar de quem acha sério mundo,


Um mundinho que raso não vai fundo,


No qual funda a tristeza e desatino.



A Bahia que é terra da alegria


Com a tristeza debaixo do tapete,


É madrasta que bate com cacete,


Espremendo nas cordas da folia


Todo filho que não compra a alforria


P’ros galopes do inverso do divino,


Com cordeiros de Deus cantando em hino


O nocaute no pobre moribundo;


Ôh mundinho que raso não vai fundo,


No qual funda a tristeza e o desatino.


   

 
Cantiga a Moda Antiga
 
 
Como pode o jardineiro

Evitar assim a flor,


Como pode moça a lua


Nascer sem o sol se pôr...


Podendo assim como o não


É só maneira do sim,


Como tantas vezes versos


Se foram e vieram em mim.



Evitei a mim moça linda,


Mas um certo dia eu vi


Num jardim de tantas rosas


Uma flor que me perdi;


Deixando rosas de lado


Quis aquela flor por bem:


Sempre viva no meu peito


Da sempre-viva eu refém.



Evitei a mim linda moça,


Até um dia no Solar


Ver o Sol junto com a Lua


No céu a tarde a namorar;


Depois o Sol foi dormir


E a Lua moça traquina


Brincou com constelações


Na noite de quina a quina.



Por fim, na esquina do céu,


No jardim de cheiro bom,


Numa trova a moda antiga


Descobri qual nosso tom:


A sempre-viva entre rosa,


O Sol vivendo com a Lua,


Verso com dedo de prosa...


Quem sabe a gente na rua.

 
 
Trova-Net
 
 
Moça me pede um poema,

Pede pedindo favor...


Fiquei sem saber qual tema,


Se amizade ou se é de amor.

   
 
Triolé
 
 
Do morro vejo amplidão,

Da maré vejo infinito,


Ao chão coisas como são...


Do morro vejo amplidão,


Sem santo sem mundo cão


Contra maré o morro fito...


Do morro vejo amplidão


Da maré vejo infinito.




Bailarina Ensina... Me Ensina a Dançar




É que não sabia;


Aquela ternura,


A sua doçura,


A minha alegria


Na serra tão fria


Sem me agasalhar,


Somente a brincar


Em fala traquina:


Bailarina ensina...


Me ensina a dançar.



Agora é passado,


Agasalho deu


E ele se perdeu,


Mas lembro trançado,


Tricô vermelhado


Bonito de amar;


Fui com ele andar


Sem saber menina,


Bailarina ensina...


Me ensina a dançar.



Quem sabe soubesse


Hoje além do passo,


De verso que laço


P’ra que nunca cesse


Ou sempre regresse


Os tempos de lá,


Outros passos dar


Nessa minha sina,


Bailarina ensina...


Me ensina a dançar



Talvez algum dia,


Assim no destino,


Começo e termino


A nossa poesia


Em doce harmonia


A lhe recitar;


Se tempo deixar


Tempo determina,


Bailarina ensina...


Me ensina a dançar.

 
   
Cantiga Natalina
 
   
O natal de Deus menino

Com um anjo querubim


Sem enfeite p’ro presente


É feliz do início ao fim


Pois é só mais uma festa


E na festa faz assim...



Tem tem... din din... tem tem... din din



O Noel que não é Deus


Mas se diz papai também


Dá presente p’ra quem compra


Mesmo o vinho do armazém


Sem as luzes pisca-pisca


No natal de quem não tem.



dim dim... tem tem... dim dim... tem tem



Que salve salve o Noel


O estoque está bem no fim


Mas gente que ganha pouco


Compra presente ruim


O natal é solidário


Sendo assim se compra sim...



Din din... tem tem... dim dim... tem tem



No natal de Deus menino...


No natal d’aquele alguém


No natal de Deus menino...


No natal de quem não tem


No natal de Deus menino


Dobra o sino de Belém...



dim dim... tem tem... dim dim... tem tem


 

Madrigal
 
 
O que se faz do tempo

Se o tempo só separa...


A jabuticabeira,


A mesma d’olhos negros de criança,


Os homens derrubaram.



O que se faz no tempo


Se o tempo que aproxima...


Basta a jabuticaba


Ser plantada de novo nesse chão,


Para quando vier o céu que chora,


Germinar num sorriso...



Jabuticaba minha


... A jabuticabeira.

 
 
Do Todo da Parte Privada
 
 
                                             "O todo sem a parte não é todo,
                                            A parte sem o todo não é parte..."

                                                            Gregório de Matos Guerra



De réis em réis fez-se trono,


De trono em trono fez rei,


Do alto pro baixo fez lei,


De lei a lei vem abandono,


Pra cada qual o seu dono,


Pra cada dono seu mundo,


Pra todo mundo no fundo


Ser doutro uma parte estranha,


Com seu quantum que barganha


Pequeno mundo fecundo.



Privadas partes componha


Ser privado toda parte,


Tudo que pra mais destarte,


Privado até do que sonha,


Com a parte que lhe imponha,


Dada como parte dor


( É que dor tem seu valor)


É repartido o homem todo,


De lodo, a engodo, a mais lodo,


De despeito a desamor.




Sagrada a parte privada


Profano vive seu homem,


Privados da ceia que comem,


Privados na teia forjada


Duma força tão danada,


Causa mãe de todo dano,


Entra é homem pelo cano,


Entope, rasga e lasca,


E na santa ninguém tasca


De tal variado arcano.



Demais que seja barroco,


Demais natural rebojo,


Por toda parte dá nojo,


Tanto discurso de rouco,


Tanto santo de pau oco


Que diz estar perdoado,


Menor ou maior Estado,


Parte por parte se inunda,


Todo por todo se imunda


Parte do todo privado.



Pequeno Romance de Amor




Ela uma bela evangélica,


Ele um poeta pagão,


Um dia os dois se encontraram


Por coisas do coração,


Sendo amor sempre semente


Que brota com pés no chão...



Ela dele não sabia


Além duns versos que fez,


Ele dela só sabia


Que acordava o Sol a seis


E trabalhava até a noite


Num suor de mês a mês.



Sendo o amor sempre semente


Que brota num sim ou não,


Ela resolveu a partida


Por um outro cidadão,


O poeta calou o verso


Não fazendo outro refrão.



Ela ficou sem dormir,


Mas a vida continua...


Passando tempo quem sabe


Vê seu sorriso na lua,


Lembra do poeta triste


Que sumiu da vida sua.


 

Segunda Cantiga para Lee
 
 
No interior se vê estrela,

Dois arco-íris no horizonte,


O rio que passa calmo,


A água que brota da fonte.



Rabiscando traço versos...


Penso em você lentamente;


No interior se vê estrela,


O céu é o amor em semente.



De dia gente na praça


Jogando conversa fora,


Dois arco-íris no horizonte,


Um amor que nasce agora.



O rio que passa calmo


E calmo passa a canoa,


Penso em você novamente


Pensamento voa a toa.



Quem sabe rio seremos,


Água a brotar no horizonte,


Uma noite que vê estrela,


Manhã de arco-íris na fonte.



Cantiga para Lee



Dizem que os samurais, Lee,


Após um dia de guerra,


Escrevem lindos poemas


De sol e lua, céu e terra...


Pena não sou samurai,


Pois seu traço me distrai


Para o horizonte que se erra...



E no horizonte que eu erro


Seus olhos são sóis se pondo,


Seus lábios lua sorrindo,


Seu sorriso o céu compondo,


Mas não sou samurai, Lee,


Sou apenas um aprendiz


Desses versos que arredondo.



Nos versos arredondados,


Você em todas as flores,


Você em todos os passos,


Você em todas as cores,


Você em minha alegria,


Você na noite e no dia,


Nos cantos e nos cantores.



Sei que os cantos dos cantores


São tantos pra lhe encantar,


E esses versos tão pobres


Como pobre é meu falar,


Queria ser samurai,


Aquele que nunca cai


Pela graça dum olhar.



Soneto da Despedida



                                                  “E ondas seguidas de saudade,

                                                    Sempre na tua direção,
                                                    Caminharão, caminharão,
                                                    Sem nenhuma finalidade.”
                                                                          Cecília Meireles



Nosso amor não nasceu na poesia


Nem morrerá com chuva após o vento,


Também não morre assim nossa alegria


Nesse leve afastar tão terno e lento.



Só não há mais fim, digo fim do dia


Em que esperamos sós um sentimento,


Como as ondas dum vem, dum vai, dum ia,


Trazendo a paz, levando o rompimento.



Nesse vento que traz chuva morria


O que só ficou só no pensamento...


O amor não ergueu firme engenharia.



Com o vaivém das ondas, nosso acento


Será o seu sem nenhuma fantasia,


E meu verso, confesso, mais atento.




Sombra do Meio-dia



Como seu andar destrai, me dá prazer,


Destrói o que tem em mim de desumano,


Na sombra dum céu cinza me faz ver


A natureza clara noutro plano.



Assim, sem salto, posso perceber


As curvas que seu corpo faz, sem dano


De nessas curvas minha mão perder


Seu detalhe escondido em cada pano.



E despido de orgulho vai meu ser,


Beijar a flor que brota sem engano


De no néctar dessa flor deter,


Apenas numa, toda estação do ano.



Mas pobres rimas não vão descrever,


Que agora deixa são... me deixa insano.

   
 
Soneto


Bahia, terra imensa de tristeza,


Tem uma dor em mim que vem e volta,


Queria que ninguém tivesse acesa


A chama dessa dor que o verbo solta.



De não ter feito amor com a nobreza:


O amado quando a amante sempre o escolta


A cuida com carinho, com firmeza


De ser tranquilo mesmo na revolta.



Agora meu olho como cristal d’água


Carrega de mim mesmo amarga mágoa...


Tem uma dor em mim que vem e volta.



Quem sabe volte a tempo essa doçura,


Volte de novo por minha ternura...


Tem uma dor em mim que vem e volta.



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