As Origens do Nosso Verso Popular
III
Podemos falar do Brasil. Aviso aos poucos leitores desses pequenos
ensaios que voltem aos anteriores, também aos intitulados “A Literatura de
Cordel e a Influência Africana” e “A Trova e o Trovador” e ainda “Três Raças e
Uma Musa”, todos estes partes da síntese das minhas pesquisas sobre as
origens da nossa literatura popular em verso. Penso em mais alguns
mini-ensaios, concluí-la.
Vamos ao que interessa.
Chegamos ao Brasil Colônia. Trataremos agora da matriz indígena, outra
pouco estudada e citada pelos poetas acadêmicos de hoje, que querem tornar de
origem puramente lusitana nossos versos populares.
Na sua Síntese de História da Cultura Brasileira, o Mestre Nelson
Werneck Sodré, escreve que “... os
religiosos responderam, em parte, pelo bilinguismo do século XVI, pela
existência de uma língua, dita “geral”, que era a do índio – e só isso comprova
a força de sua contribuição cultural – ao lado da língua oficial, o português;
de uma língua popular, em contraste com uma língua culta; e, agravando o
problema, paralelamente, o uso do latim pelo religioso, entre os pares. Tão
grave pareceu às autoridades metropolitanas o bilinguismo e tão espantadas
ficaram com a “extensão que ganhou o tupi, como língua geral, a ponto de ser
utilizada até nos púlpitos”, que uma provisão de 1727 proibiu o seu uso.”
Claro, o tupi como língua geral serviu de uso aos jesuítas na sua diabólica missão de catequização dos nativos. Mas, o interesse aqui é como se
deu a contribuição indígena na literatura popular em verso, e para isso, serve
como segundo guia “A Literatura no Brasil – Introdução Geral”, de direção do
Mestre Afrânio Coutinho. Para este, houve uma ponte cultural dos índios com
colonos e jesuítas, daí ele escreve:
“O índio não vivia só em guerras e a devorar
seus semelhantes (brancos). Havia neles, também, o gosto do canto, da poesia a
este inerente e o sentimento que a ambos dava fundamento.”
E tratando da reação do índio no
cenário jesuítico:
“O engajamento do índio nesse cenário
inusitado humanista novo-mundista é atestado pelo moralista francês Michel de
Montaigne já no século XVI, no capítulo “Des cannibales”, de seu livro Essais,
escrito de 1571 a
1580 e publicado neste último ano. Eis um exemplo dado por ele:
Cobrinha, um
momento pára
Quero
imitar teu primor
E
fazer cintura rara
Para
dar ao meu amor...
Que
adorno sejas, somente,
De
uma, a outra serpente...”
Lemos nos
versos acima (não sei se foram traduzidos diretamente do tupi ou deste para o francês até chegar ao nosso idioma) que o índio dominou a métrica
do homem branco, e a desenvolveu com temática própria, numa lírica simples e
primitiva, afastada do renascimento europeu, mas próxima ao espírito medieval,
trovadoresco, que também encontramos em Anchieta. Mas , o índio já tinha o hábito dos motes e da rima, como cita o próprio Afrânio Coutinho, “Gabriel Soares de Sousa(1587) assim dizia dos Tamoios:”
“...São grandes componedores de cantigas de improviso,
pelo que são muito estimados do gentio, por onde quer que vão.”
Mesmo depois da proibição do tupi como língua geral da
colônia, a influência indígena nos versos das cantigas populares ficaram. Como
citei noutra postagem, houve a justaposição dos versos tupi e portugueses, como
essa velha cantiga colhida por Couto de Magalhães da boca do povo no nordeste
do séc. XIX:
Te mandei um passarinho,
Patuá miri pupé;
Pintadinho de amarelo,
Iporanga ne iaué.
Vamos dar a despedida
Mandu sarará,
Como deu o passarinho,
Mandu sarará,
Bateu
asa, foi-se embora,
Mandu sarará,
Deixou a pena no ninho,
Mandu sarará.
Ou neste do grande poeta popular
mineiro Caldas Barbosa, séc. XVIII, onde encontramos também a forte presença
africana, como diz o próprio título, motivo do próximo ensaio; fiquem com os
versos xarapins (camaradas em tupi):
Lundum de Cantigas Vagas
Xarapim, eu bem estava
Alegre nest’aleluia,
Mas para fazer-me triste
Veio Amor dar-me na cuia.
Não sabe, meu xarapim
O que amor me faz passar,
Anda por dentro de mim
De noite, e dia a ralar.
Meu Xararapim, já não posso
Aturar mais tanta arenga,
O meu gênio deu à casca
Metido nesta moenga.
Amor comigo é tirano,
Mostra-me um modo bem cru;
Tem-me mexido as entranhas
Qu’estou todo feito angu.
Se visse o meu coração
Por força havia ter dó,
Pois que o Amor o tem posto,
Mais mole que quingombó.
Tem nhanhá certo nhonhô,
Não temo que me desbanque;
Porque eu sou calda de açúcar
E ele apenas mel de tanque.
Nhanhá cheia de cholices
Que tantos quindins afeta,
Queima tanto a quem a adora
Como queima a malagueta.
Xarapim, tome o exemplo
Dos casos que vêm em mim,
Que se amar há de lembrar-se
Do que diz seu Xarapim.
Estribilho:
Tenha compaixão,
Tenha dó de mim,
Porqu’eu lho mereço
Sou seu Xarapim.
Com
este lundum, afro-brasileiro e justaposto do falar tupi, fico por aqui.
Bibliografia:
WERNECK
SODRÉ, NELSON. Síntese de História da Cultura Brasileira. RJ. 15ª Ed. Bertrand
Brasil.
COUTINHO,
AFRÂNIO. A Literatura no Brasil. Introdução Geral (Direção).SP. 7ª Ed. Global
Editora.
ROMERO,
SÍLVIO. História da Literatura Brasileira.Tomo Primeiro (Contribuições e
Estudos Gerais para o Exato Conhecimento da Literatura Brasileira). RJ. 6ª Ed.
Livraria José Olympio Editora.
A.
DE AZEVEDO FILHO, LEODEGÁRIO. Síntese Crítica da Literatura Brasileira. RJ.
1971. Edições Gernasa.
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