Para uma percussão poética




     Das conversas que tenho tido com amigos percussionistas e do meu trabalho como arte-educador andei refletindo sobre o ritmo e poesia popular. Desses estudos e reflexões concluí que as semelhanças entre música e poesia ultrapassam a mera coincidência de ser duas artes que tem como matéria o som. O ritmo musical tem sua origem relacionada ao ritmo poético. Nos versos da antiguidade clássica observamos a dependência do primeiro ao segundo: É que o acento das palavras e sua duração em breves ou longas eram reproduzidos no acompanhamento musical. Isso atravessou milênios e a música só se libertou por completo do ritmo poético por volta do séc. XIX. Mas a música popular, aquela feita para dança e rituais – e como a maioria feita hoje para fins comerciais –, inda depende do ritmo poético.

     Para o poeta a divisão silábica é feita pela fala e não pela gramática, disso resulta ser a sílaba poética ligada à pronúncia, à sonoridade das palavras no verso. Daí decorre didaticamente a definição do ritmo poético como uma sucessão, em intervalos regulares, de sílabas fortes e fracas percebidas por nosso ouvido. Também de maneira didática, o verso pode ser definido como um período rítmico completo. Semelhante, o ritmo na música é o movimento dos sons regulados pela sua maior ou menor duração.

     Não podemos confundir ritmo e métrica, a métrica é um corpo onde o ritmo é o estado de espírito desse corpo. Na mesma métrica temos diversos ritmos, por isso, na educação poética devemos começar pelo ritmo e não pela métrica.

     Para melhor compreensão do ritmo poético vamos utilizar a terminologia da educação musical. Na tradição   do ocidente, lembrando que contamos o verso até o último acento, temos quatro esquemas rítmicos fundamentais que descrevo abaixo.



     As sílabas em negrito são fortes (tônicas), as em itálico que ligam duas sílabas gramaticais indicam ligações rítmicas, isto é, a emissão duma só sílaba sonora ou poética.



Binário ascendente – acento fraco seguido por um forte



Ex:

Amor



Ou desse mesmoenigma (Carlos Drummond de Andrade)



Binário descendente – acento forte seguido dum fraco



Ex:



Louco



Velha, Grande, toscae bela. (José Régio)



Ternário ascendente – 2 acentos fracos seguidos por um forte



Ex:



Caminhar



Contemplandoo teu vulto sagrado... (Hino à Bandeira letra de Olavo Bilac)



Ternário descendente – acento forte seguido de 2 fracos



Ex:



tala

Choupos trazidos de goa (José Régio)



     Esses ritmos fundamentais podem ser compostos e combinados de diversas maneiras. O importante é que a estrutura rítmica não atrapalhe a forma das palavras no verso.

     O ouvido sempre é o melhor guia do poeta.

     Voltarei em outra postagem a tratar da métrica e posteriormente da palavra musicada e da divisão musical do verso.

     Nas oficinas e mostras de ritmo e suas relações com a poesia e a música que realizei na Bahia e São Paulo entre os anos de 2005 e 2008 desenvolvi, junto com músicos, dinâmicas próprias para a assimilação do ritmo poético. Para os mais interessados em 23 de março desse ano, farei junto com o percussionista Ricardo Hardmann, na Biblioteca Tales de Azevedo, um mini-curso de ritmo e poesia popular brasileira.

    Espero que tenha contribuído um pouco com os estudos dos jovens poetas e demais amantes do bom verso.







Bibliografia:



MATTOS PRIOLLI, Maria Luisa. Princípios Básicos da Música para Juventude. 1º Volume. RJ. 17ª Ed. Casa Oliveira de Música LTDA.

CUNHA, Celso e CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. RJ. 2ª Ed. Nova Fronteira.

PIGNATARI, Décio. Comunicação Poética. SP. 4ª Ed. Moraes.

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