A TERRA DO BARRO



                                   Barro de valor

                              Quando ele pisado

                              Depois repisado

                              Pelo amassador,

                              Vai pro pelador,

                              Então chega o oleiro

                              Que o tem companheiro

                              Da forma infinita,

                              Com peça bonita,

                              Suor verdadeiro.



                              Mulher burnideira,

                              Delicado trato,

                              Com a pedra e o ato

                              Ela dá a maneira,

                              Com a mão certeira

                              A peça refina

                              E no fogo a sina

                              De trabalho pronto,

                              São tantos, não conto

                              Senão desatina.


          “Começou as mulheres com barriga quando começou a existir mulher, isso é tradição”, disse o mestre oleiro Zé das Baianas numa conversa que tive com ele em sua olaria no distrito de Maragogipinho. Parafraseando o mestre, começou o trabalho com o barro desde que ele existiu para o homem, isso é tradição.

          Pra quem não conhece, Maragogipinho é um pequeno povoado, com mais de 2500 habitantes, na entrada da Costa do Dendê, recôncavo baiano. Passei cinco dias no distrito aprendendo com essa gente simples de qualidade inestimável. Beirado pelo manguezal do rio Jaguaripe, Maragogipinho é o maior polo de cerâmica da América Latina. E isso não é por acaso. Diz o povo do lugar que os índios já trabalhavam com o barro, depois vieram os jesuítas que lhe ensinaram a técnica do torno.

          Mas tudo começa mesmo com o amassador.

          O barro extraído no barreiro, geralmente nas fazendas de Aratuípe, município ao qual pertence o distrito, é carregado em caçambas, levado em carrinho de mão para os pés do amassador. Pisado e repisado vai para o pelador, batente de madeira onde se termina de amassar o barro e lhe tirar as impurezas. Daí o barro pode ser lavado: espera secar, mói, joga numa vasilha com água e vem peneirando, então passa pra um vaso de barro que suga o excesso de água. Material esse mais delicado que serve para peças finas e detalhadas como santos, dizem serem poucas as pessoas que o sabem fazer. Ou o barro vai direto para o torno: nele o mestre molda o bojo ou chaboque, cone ou cilindro ou outra forma que serve como base para trabalhar diversas peças; se não, o mestre ergue já uma peça pronta como um jarro. É um processo de paciência, pois no trabalho do torno o oleiro tem que prestar atenção se ainda há alguma impureza no barro.

          Verdadeiro trabalho de artesão.

          Depois vêm as mulheres.

          Com uma pedra elas vão burnindo a peça. Burnir é polir a peça verde, que não foi para o fogo. Esse trabalho só é feito por mulheres. Sentadas na porta de suas casas encontramos elas, de todas as idades, conversando e burnindo as peças de barro. A peça pode não ser burnida, quando isso acontece ela fica rústica. Fica rústica quando não passa pelas mãos femininas.

          Depois é o fogo.

          A peça verde amadurece no forno a lenha. Nele leva um dia ou dois pra queimar dependendo da peça ou do forno. Tirada do forno começa o acabamento. Pode ser pintada ou apenas vidrada. Vidrar é umedecer a peça com chumbo, levando novamente ao forno... dá aquele efeito de brilho que encontramos nas louças de barro, e deve fazer um mal à saúde da pessoa e do meio ambiente.

          As peças prontas são vendidas por todo o país e pro exterior. Nas olarias também são vendidas pros visitantes. Bonito é ver as canoas se enchendo de peças de barro e sendo levadas com o rio para Nazaré das Farinhas, de lá para as feiras das cidades circunvizinhas...

          Bonito é ver que neste lugar a tradição é respeitada, é fonte da riqueza local. Bonito é ver o povo tirar do manguezal seu alimento, e defronte pro rio se reunirem bebendo e sorrindo sua fartura. Bonitas são as pessoas alegres e generosas desse pequeno paraíso conservado, apesar de tudo, na sua fauna, flora e humanidade.

Comentários

Unknown disse…
Parabéns pela cobertura!
Você conseguiu retratar de forma bem dinâmica uma parte da arte do nosso recôncavo. Vale lembrar que essa Arte retrata a nossa belíssima cultura e sustenta diversas famílias.
Queria saber se eles ainda fazem aquele transporte das peças até a rampa da Feira de São Joaquim.
Flávio, a rampa ainda está lá, mas só serve pros pescadores. O Transporte agora é feito no comércio,onde se peca o barco pra Mar Grande.

Osmar Machado
Luan disse…
Grande Osmar,
Como é bom saber que muitas pessoas ainda preservam suas culturas e sobrevivem de maneiras simples.
Essas cerâmicas realmente são obras de artes feitas por quem entende.
E saber que é o maior polo de cerâmica da América Latina nos deixa felizes e orgulhos, pois de forma simples e dedicadas essas pessoas realizam esse trabalho maravilhoso.

Grande abraço!
Anônimo disse…
Flávio,

desculpe a informação errada... o saveiro ainda sai toda semana de Maragogipinho para a Feira de São Joaquim.
Anônimo disse…
Bom, como eu não conheço, para mim foi uma viagem...
Muito linda a forma de você relatar os momentos e a cultura, Osmar!
Parabéns!!!

Beijos, Bella

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