A Bahia só nos dá régua e compasso
Quando menino andava pelas mangas e ouvia o aboio do vaqueiro, pensava eu, na minha inocência, que esse homem conhecedor dos brejos e cachoeiras era dono daquela terra toda.
A inocência passou como passou o boiadeiro.
O que ficou foi minha memória e o que nem sei onde aprendi. Sei que aprendi na Bahia, parte na região cacaueira onde vivi a infância, outra parte na capital, no sertão e no recôncavo onde passava férias com meus avôs.
O boiadeiro foi meu mestre nas mangas. O mestre popular tem a peculiaridade de não se passar por mestre, depois é que damos o título quando reconhecemos seus profundos ensinamentos.
Hoje os mestres que me ensinaram, alguns mortos, muitos vivos e velhos, estão desmotivados, desconfiados e desesperançosos com o mundo.
É que tudo começou na Bahia: nossa alegria e tristeza; nosso luxo e pobreza; nossa união popular e desunião invejosa; nossa graça e desgraça histórica. Aqui começou nossa poesia, aqui se calou; aqui começou o samba, aqui se degenerou; aqui começou a capoeira, aqui tudo se caricaturou...
Dizem que é um espírito: o ranço da miséria ideológica portuguesa.
Esse espírito construiu uma indústria cultural perversa, onde o talento foi substituído pela simpatia, o trabalho pelo produto descartável e a disciplina pela lei do menor esforço. O melhor da nossa terra não é produto dessa indústria. É produto da qualidade de nossa mistura, que fez da terrinha centro cultural do país por muito tempo.
Talvez, para não pensarem que é pura crítica, sugiro compor um roteiro anti-turístico da Bahia, para atrair outro tipo de gente, gente que consuma o nosso filé e não só o acém com osso. Por enquanto nós, a juventude chupa-molho, resistimos. Alguns partiram para São Paulo, Recife, America do Norte e Europa a procura de valorização. Outros sucumbiram à indústria cultural. Outros simplesmente desistiram.
Estamos deixando ao abandono o melhor de nossa terra: os mestres inda vivos e os jovens talentosos.
Que toadas deixaremos pro futuro?
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